segunda-feira, março 15, 2010

abandonos e Da Paz (Marcelino Freire)

Esse blog ainda é meu único meio de divulgar meus textos pela Internet, mas tá mais abandonado do que já esteve em qualquer época. Isso não significa que estou escrevendo pouco, mas que estou usando pouco a Internet. De qualquer forma, como ele ainda tem bastante texto por ser um blog antigo, fica por aí.
Hoje posto uma poesia (que não é bem poesia) fresquinha e mais embaixo um texto sensacional do Marcelino Freire, que me lembrei por acasos.

Não existe unicidade sem multiplicidade
não existe verdade universal
meu universo
é quarto-escuro-lápis-caneta-flauta
nada mais me faz falta
mas quero mais

a partir de mim conheço tudo em volta
minha vida, minhas idéias
estão no caminho da reviravolta
dos padrões, das normas
dentro de mim, e a minha volta
não estou sozinha, nem estou com os outros
é um paradoxo que exista essa separação
a complexidade do indivíduo é a complexidade da organização
não existe meio-termo
acontece tudo ao mesmo tempo

uma idéia é algo frágil
uma ferramenta de descoberta e conscientização
não existe em si
não salva ninguém que não queira ser salvo
o autoboicote é muito mais forte
mas quando acontece a mágica de encaixar uma idéia em uma necessidade
aí então se descobre uma verdade
que à próxima mágica deve mudar
ou multiplicar
esse é meu segredo pra evoluir
e é só assim que a minha poesia pode fluir


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DA PAZ - Marcelino Freire


Eu não sou da paz.

Não sou mesmo não. Não sou. Paz é coisa de rico. Não visto camiseta nenhuma, não, senhor. Não solto pomba nenhuma, não, senhor. Não venha me pedir para eu chorar mais. Secou. A paz é uma desgraça.

Uma desgraça.

Carregar essa rosa. Boba na mão. Nada a ver. Vou não. Não vou fazer essa cara. Chapada. Não vou rezar. Eu é que não vou tomar a praça. Nessa multidão. A paz não resolve nada. A paz marcha. Para aonde marcha? A paz fica bonita na televisão. Viu aquela atriz? No trio elétrico, aquele ator?

Se quiser, vá você, diacho. Eu é que não vou. Atirar uma lágrima. A paz é muito organizada. Muito certinha, tadinha. A paz tem hora marcada. Vem governador participar. E prefeito. E senador. E até jogador. Vou não.

Não vou.

A paz é perda de tempo. E o tanto que eu tenho para fazer hoje. Arroz e feijão. Arroz e feijão. Sem contar a costura. Meu juízo não está bom. A paz me deixa doente. Sabe como é? Sem disposição. Sinto muito. Sinto. A paz não vai estragar o meu domingo.

A paz nunca vem aqui, no pedaço. Reparou? Fica lá. Está vendo? Um bando de gente. Dentro dessa fila demente. A paz é muito chata. A paz é uma bosta. Não fede nem cheira. A paz parece brincadeira. A paz é coisa de criança. Tá uma coisa que eu não gosto: esperança. A paz é muito falsa. A paz é uma senhora. Que nunca olhou na minha cara. Sabe a madame? A paz não mora no meu tanque. A paz é muito branca. A paz é pálida. A paz precisa de sangue.

Já disse. Não quero. Não vou a nenhum passeio. A nenhuma passeata. Não saio. Não movo uma palha. Nem morta. Nem que a paz venha aqui bater na minha porta. Eu não abro. Eu não deixo entrar. A paz está proibida. Proibida. A paz só aparece nessas horas. Em que a guerra é transferida. Viu? Agora é que a cidade se organiza. Para salvar a pele de quem? A minha é que não é. Rezar nesse inferno eu já rezo. Amém. Eu é que não vou acompanhar andor de ninguém. Não vou.

Não vou.

Sabe de uma coisa: eles que se lasquem. É. Eles que caminhem. A tarde inteira. Porque eu já cansei. Eu não tenho mais paciência. Não tenho. A paz parece que está rindo de mim. Reparou? Com todos os terços. Com todos os nervos. Dentes estridentes. Reparou? Vou fazer mais o quê, hein?

Hein?

Quem vai ressuscitar meu filho, o Joaquim? Eu é que não vou levar a foto do menino para ficar exibindo lá embaixo. Carregando na avenida a minha ferida. Marchar não vou, muito menos ao lado de polícia. Toda vez que vejo a foto do Joaquim, dá um nó. Uma saudade. Sabe? Uma dor na vista. Um cisco no peito. Sem fim. Uma dor. Dor. Dor. Dor.

Dor.

A minha vontade é sair gritando. Urrando. Soltando tiro. Juro. Meu Jesus! Matando todo mundo. É. Todo mundo. Eu matava, pode ter certeza. Todo mundo. Mas a paz é que é culpada. Sabe?

A paz é que não deixa.

3 comentários:

ni disse...

naná! preciso dizer que te amo de amor... saber que vc escreve, mesmo nãO postando aqui me deixa mais viva, acredita? cada vez que ouço vibrar a poesia de gente que é gente... sigo mais contente.
bom de mais te ler! tava com saudade.

Rogerio Lima disse...

O Princípio da IGUALDADE reside no respeito incondicional e irrefutável das DIFERENÇAS.

Eis a multiplicidade, o desconfortável conforto da existência.. a coisa estranha .. nas entranhas das consciência..

o vago, o vaso, a pétela e a flor...

Sou aquele que na rua lhe disse, "olá como vai, tudo bem?" e que entusiasmado com a obra, enroladinha em aspirações, xerocadas, verde rubras capas... 12, mas faz por 10... como se obra tivesse preço, quantificações...

me visite que te visitarei.. se não há preço, há troca... e no fim, assim não ficamos ao vento...

gracias..

Anônimo disse...

texto redundante que não possui conclusão de idéias